"Se der por si em Times Square ou Piccadilly Circus com vontade de comer rissóis de camarão e beber uma imperial, saiba que basta, respetivamente, procurar estes nomes: Lupulo e Taberna do Mercado.
Na cervejaria Lupulo há um balcão, azulejos e uma carta que podia ser de um restaurante deste lado do Atlântico. Nem todos se lembrarão mas tempos houve em que, por cortesia de uma marca de detergente, a frase mais repetida na televisão portuguesa era “Sobral de Monte Agraço já tem um parque infantil”. Pois bem, 20 anos volvidos dá vontade de recuperar a mesma formulação para anunciar ao mundo que Nova Iorque já tem uma cervejaria portuguesa ou que Londres já tem uma taberna lusitana. Até porque, apesar da distância, ambas são dignas representantes das respetivas classes.
A primeira novidade chama-se Lupulo, fica em Nova Iorque (número 835 da Sexta Avenida), não acontece por acaso e nem sequer é uma imitação corriqueira de um restaurante luso-qualquer coisa, como acontece em algumas cidades por esse mundo fora. O chef por detrás do projeto, George Mendes, é filho de portugueses e dono de um estrela Michelin no seu outro restaurante, o Aldea, bem diferente deste que acaba de abrir.
Não se pode dizer que isto tenha acontecido de repente. “Tinha a ideia de abrir uma cervejaria portuguesa há cerca de três anos”, conta George ao Observador. O chef inspirou-se nas típicas cervejarias lisboetas — “as minhas favoritas são o Ramiro e a Cervejaria da Esquina”, diz — e isso nota-se, tanto na concepção do menu como na decoração do espaço, que tem um balcão com 35 lugares de fazer inveja a muitas marisqueiras da Almirante Reis, além de uma quantidade apreciável de azulejos e diversos objetos recolhidos em viagens pelo nosso país, expostos em prateleiras viradas para a rua.
A ementa está no quadro de ardósia por cima do bar. Mesmo à portuguesa.
A ementa surpreende pela positiva no que à sua genuinidade diz respeito. Nada de fusões estranhas ou interpretações desvairadas de clássicos nacionais. Não só os bois são chamados pelos nomes (e o quadro de ardósia que indica as opções disponíveis até diz “hoje há” para anunciar os pratos do dia) como não há grandes invenções ao nível do receituário. “A maior parte da ementa veio de receitas da minha família, dos anos que passei a comer em restaurantes portugueses e também dos vários livros de receitas tradicionais que estudei”, revela George, que ali serve, entre outros petiscos intemporais, pastéis de bacalhau, rissóis e açorda de camarão, arroz de polvo, bacalhau à Gomes de Sá, amêijoas à Bulhão Pato ou até sardinhas assadas, com cervejas artesanais (e Sagres) ou vinhos portugueses para acompanhar. Mais típico era impossível. E as imagens parecem garantir a fidelidade das receitas.
E como será que os nova-iorquinos têm reagido a este tipo de cozinha? A avaliar pela resposta do chef, nada mal. “Muitos nunca tinham experimentado nada semelhante mas têm gostado muito. Acham que é comida honesta e cheia de sabor”, diz. Não admira, por isso, que o Lupulo esteja a causar sensação na cidade que nunca dorme, tendo chegado recentemente ao segundo lugar da hit list (os locais da moda) na aplicação de restaurantes Resy.
Curiosamente, George Mendes não foi o único chef conceituado a apostar num conceito tipicamente português numa grande cidade mundial. Já esta semana, o português Nuno Mendes, que ganhara enorme destaque à frente da cozinha do londrino Viajante, abriu a Taberna do Mercado junto, precisamente, ao mercado de Old Spitalfields, na zona leste da capital britânica. Também neste caso, o menu está pejado de clássicos do portfólio gastronómico português, da alheira, dos pezinhos de coentrada ou do arroz de choco, ao pão de ló de doce de ovos ou ao pudim Abade de Priscos, passando por propostas mais simples, caso das tábuas de queijos e enchidos. E as críticas têm sido muito positivas, como se pode ler aqui ou verificar nos exemplos abaixo.
Quererá isto dizer que as grandes cidades mundiais vão, finalmente, descobrir o que é comer à grande e à portuguesa? Se depender de ambos os Mendes — que não têm qualquer relação familiar — claro que sim. Pode ser que outros lhes sigam o caminho e que esse mundo fora passe a apreciar a simplicidade de umas amêijoas à Bulhão Pato ou o sabor do lombo de uma sardinha acabada de sair da grelha. Até porque, já dizia alguém: nunca é tarde para se ter uma infância feliz.
Fonte: Observador